quarta-feira, 8 de junho de 2011

DesfruteM

DesfruteM
Quando estou sem criatividade para escrever experimento inventar algum prato. No sábado passado entre uma certa melancolia e um branco fui para a cozinha. Queria preparar algo que aplacasse o banzo e agradasse verdadeiramente o estômago. Deixe que alma se entenda com outra alma e o corpo com outro corpo já recomendava Manoel Bandeira para assuntos de amor. Fome se aplaca com comida e saudade ou falta de inspiração se resolve...Sei lá! As vezes se recomenda tratar as subjetividades e as metafísicas amorosas com coisas concretas, ocupações materiais. Os padres eram mestres em recomendar que quando estivéssemos com dores da alma, desejos libidinosos nos ocupássemos com o trabalho. Prefiro fazer sublimações mais gostosas. Para aplacar saudade medonha Desfrute um bom prato, beba uma boa bebida e deite numa rede e deixe a mente descansar. Foi assim meu proceder. O prato se chama DesfruteM.
Não é vegetariano. Tem do nordeste como ingrediente a massa de tapioca, povilho azedo ou carimã. A carne é de porco, apreciada nas mesas mais granfinas às populares. Os temperos são um mix dos exotísmos indianos o curry, alecrim (rosmarinus) mediterrâneo, que no latim quer dizer orvalho do mar, de serventia para culinária como também nos ritos religiosos. As vezes cozinhar é um ato sagrado. Veja só uma receita que junta o profano e o sagrado. Nos temperos ainda vai o hortelã, que é a ninfa Minthe amada de Plutão que foi transformada em erva para fugir da ira ciumenta da mulher do deus grego. Tem ainda o cacau presente dos Maias e Astecas,ingrediente afrodisíaco, para preparar o o molho. No nosso caso pode ser um cacau ou chocolate baiano, que com certeza será ainda mais afrodisíaco. Tem pimenta do reino uma especiaria das mais antigas, produto que causou descobertas e guerras. Ora já dizia uma cozinheira que me ensinou deliciosos pratos: " meu filho junte e misture coisas boas que possibilidade do prato sair bom é quase certa. Só não exagere no sal nem no açúcar. Pimenta...é como sexo, do gosto de cada um".
Pensei que saudade fosse um exagero de sal ou açúcar mas Luiz Gonzaga comparou a jiló: saudade assim faz doer e amarga qui nem jiló. Nesse prato não vai jiló, mais tem um cadinho de saudade! Sei que no dia desfrutei. A saudade será sempre fome da alma. Chega de divagações e vamos a receita.

Ingredientes
1/2 quilo de filé mignon de porco moído.
1/2 xícara de chá de povilho azedo
Uma colher de chá de curry
Um tanto de hortelã, alecrim,salsa e cebolinha picados
Amêndoas cruas quebradas
50 gramas de bacon picado
Azeite de oliva
Sal

O molho
Uma colher de sopa de manteiga
200 gramas de chocolate meio amargo
Pimenta do reino
Meia cebola ralada
Sal

Preparo da carne
Umedeça bem o povilho
Frite o bacon e depois junte as amêndoas para dourar.
Misture com a carne os temperos alecrim,hortelã, curry, salsa,cebolinha,as amêndoas, o bacon
e sal com a devida temperança. Ponha o povilho e amasse bem. Faça pequenos bolinhos ponha numa travessa, regue com um pouco de azeite cubra com papel alumínio e leve ao forno por uns vinte
minutos. Observe se assaram, retire o papel alumínio deixe dourar um pouco.

O molho

Derreta a manteiga e doure a cebola.
Ponha um pouco de água e acrescente o chocolate. Deixe derreter e tempere com a pimenta do reino. Mexa até engrossar um pouco.

Ao servir regue os bolinhos com o molho

Para acompanhar
Um panachê de legumes com ervilhas.( cenoura, batatas picadas e ervilhas salteadas no azeite)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Com açúcar, com afeto e… galinhas

De
Elvira Maria Ventura Filipe




- Tia vem vê as galinhas! Gritou Branca com voz excitada agarrando a minha mão com a sua, pequena e de dedos longos.

Aos seis anos, a criança mais carinhosa e divertida que conheço, filha de uma das minhas amigas e com quem convivo quase diariamente desde a maternidade, já conhecia a Disneyworld, a Disney Paris, mas nunca tinha visto uma galinha de carne, osso e penas. A ave de patas finas, pescoço longo e crista carnuda denotando altivez era conhecida apenas por meio da televisão e dos livros escolares. E, se não fosse pelo churrasco no sítio dos amigos dos pais, talvez passasse a infância sem conhecer empiricamente o animal.

- Vem tia, vem. Insistia dengosa, puxando-me.

Diante da sua ansiedade para mostrar-me o animal desconhecido, exótico talvez (desconfio que um dinossauro teria provocado menos alarde), se quer consegui largar o prato que segurava. E, contente por compartilhar sua excitação pelo novo e inusitado, o insólito, lá fui eu puxada por uma das mãos e equilibrando o prato na outra – que só continha verdura e pedaços de frango já que não como carne vermelha. Ironia?

Sentada na grama, ao mesmo tempo em que observava Branca correndo desajeitada atrás das galinhas gritando insistente e feliz: - Olha tia, olha! E lhe sorria e acenava, via duas meninas: Uma de olhos brilhantes e negros com os cabelos lisos cortados na altura do queixo, contrastando com a pele clara e as bochechas vermelhas e outra, de olhos brilhantes verdes, pele muito branca e duas longas tranças chegando aos ombros. Ora correndo atrás de galinhas ora ao lado da avó esticando a mão miúda para atirar milho a elas. Este, era retirado de seu avental, que só era abandonado nos dias de festa. Levantado e dobrado pelas quatro pontas, transformava-se em um saco amarrado a cintura de onde tirávamos o milho.

Minha avó criava galinhas e coelhos… e flores. Sim, criava, tamanho era o desvelo com que cuidava delas.

- Se gostas, podes escolher um pra ti. Não havia um sorriso, um “muito obrigada” ou “também gosto”. Era essa sua única frase sempre que alguém elogiava suas dezenas de vasos.

Para minha avó, a criação, como eram chamados todos os animais que não os de estimação, tinham a finalidade de servir de alimento. Também servia para amaciar sua dureza e ranzizisse. Quando oferecia seus vasos de flores e ao matar, limpar, preparar e servir um coelho ou uma galinha demonstrava o afeto, o carinho, a suavidade e a ternura que não conseguia expressar fisicamente. Não me lembro de tê-la visto sorrindo. Será mesmo que nunca ria? Ou será que minha memória já é incapaz de rememorar algum sorriso escondido nos seus olhos verdes ou na face dura e fechada?

- Olha que cais! Dizia ela ao caminhar arrastando os chinelos enquanto eu corria pulando a sua frente.

Sua rotina de alimentar as galinhas era também a minha quando a visitava. Primeiro as chamávamos imitando o seu piado. Muito me fascinava o grupo de galinhas competindo pelo milho e a rapidez com que o engoliam! Depois corria pelo galinheiro. Qual seria o prazer de correr atrás de um bando de galinhas cacarejando, assustadas e barulhentas? Talvez o mesmo que agora via estampado no rosto e no olhar fascinado de Branca. Minha avó criou e alimentou galinhas até o fim da vida. E, em todos os fins de tarde ia ao quintal. Praticamente cega e com dificuldade para andar, curvada, apoiando-se em um galho de árvore torto, sempre vestindo a saia preta franzida que lhe chegava aos tornozelos sob o largo avental, lá ia ela arrastando seus chinelos. Atirava milho às galinhas e por alguns minutos conversava com elas. Agora já não as via, e nem precisava, pois os domingos não eram mais dias santos, de almoço, de escolher a melhor galinha. Aquela que daria a saborosa canja para a neta preferida. Ainda se alimentava de galinhas, mas alimentava-se de sua companhia. Tão ranzinza e teimosa que ninguém conseguiu convence-la a ter televisão.

No sítio dos amigos, as galinhas divertiram, alegravam e alimentavam… a curiosidade e a fantasia de crianças, que antes de conhecer um animal tão banal, conhecem o Mickey Mouse.

- Vem Branca! Vamos procurar milho pra dar pras galinhas! Gritei sorridente, espontânea como a criança que era neste momento, depois de me voltar para o prato que estava ao meu lado e encher a boca com um pedaço de frango. Alimento saboroso este! Pois agora tinha o delicioso sabor da infância… A de duas meninas.